top of page

Viver no exterior: possíveis impactos subjetivos

  • Foto do escritor: André Pacheco
    André Pacheco
  • 7 de out. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 12 de out. de 2024

Em quase todas as famílias, é possível constatar experiências de migração interna e externa. Uma mudança no local em que se vive pode ocorrer por diversas razões. Um dos motivos centrais costuma ser o trabalho: muda-se por oportunidades de emprego ou por falta delas. Em outros casos, a migração acontece por conta dos estudos ou de relacionamentos amorosos. E há também situações em que a mudança parece que se deu por acaso: acontece aos poucos, sem grandes planejamentos.


O rol de cenários é extenso e os exemplos citados não esgotam as particularidades de cada caso. Há um variado universo de situações migratórias e os casos de mudança acontecem em profusão. No que se refere às migrações para fora do país, os dados impressionam. Um documento intitulado “Comunidades Brasileiras no Exterior” indica a presença de mais de 4.5 milhões de brasileiros vivendo fora do país no ano de 2022. O número é expressivo, equivalendo a cerca de 2% do total de brasileiros vivendo atualmente no território nacional.


A migração para o exterior talvez seja a que mais claramente revela os possíveis impactos subjetivos relacionados às mudanças no local de vida. Frequentemente, a mudança vem acompanhada de uma ampla e desafiadora reconfiguração dos laços afetivos. Isso significa que o migrante deve estabelecer novas relações de amizade e confiança no mesmo passo em que tem de se adaptar à distância aumentada para com amigos e familiares de outrora. Não bastasse isso, há também todo um esforço - que pode durar anos - para se adaptar à nova cultura e à nova língua.


Viagem ao país das maravilhas


Talvez a experiência de viver no exterior possa ser comparada à jornada surreal de Alice no País das Maravilhas. No clássico de Lewis Carroll, Alice cai em um buraco e acaba em um mundo completamente novo, onde as regras que ela conhecia parecem não se aplicar e onde tudo é ao mesmo tempo fascinante e desorientador. Ao atravessar a fronteira para outro país, o imigrante muitas vezes se vê em um espaço semelhante ao dessa fantasia, onde as normas e os significados familiares são subvertidos.


Quando entra no País das Maravilhas, uma das primeiras coisas que Alice vivencia é a sensação de desproporção: ora ela se sente grande demais, ora pequena demais. Essa constante oscilação de tamanho poderia ser comparada com a variação na percepção de pertencimento e de controle que um imigrante experimenta. Às vezes, ele pode se sentir muito pequeno diante das novas regras culturais, linguísticas e sociais que não domina, como se fosse invisível ou irrelevante no novo ambiente. Em outros ocasiões, o migrante pode se sentir grande demais, como se fosse notado e destacado de maneira excessiva justamente por ser "estrangeiro" - uma diferença que nem sempre é vista de forma positiva.


Ao entrar em seu “país das maravilhas”, o migrante - tal como Alice - é forçado a rever sua posição dentro de um novo conjunto de palavras, normas e acordos que muitas vezes não são inicialmente acessíveis. Esse processo pode ser sofrido e gerar um sentimento de alienação, mas também abre espaço para descobertas sobre si mesmo e sobre o mundo. A travessia pelo novo país pode ser transformadora: identidades antigas são postas à prova e modos distintos de estar com o outro são experimentados.


A análise de pacientes vivendo no exterior


Certamente, a vida como imigrante pode ser compreendida como um desafio em si mesmo. Na clínica com brasileiros vivendo no exterior, são frequentes os relatos em torno de dificuldades para fazer novos laços no território estrangeiro, o que pode gerar sensações de solidão e de angústia. Da mesma forma, não é rara a presença de sentimentos de culpa ou medo com relação aos parentes e amigos que ficaram no país de origem.


Sem dúvidas que o imigrante que passa por essas dificuldades tende a se beneficiar quando encontra espaços em que pode falar sobre sua condição de estrangeiro: não à toa, é comum o surgimento de comunidades de imigrantes ao redor do mundo. Ainda assim, essa convivência, por vezes, não acontece. E mesmo quando ocorre, ela pode não dar conta de todo o mal-estar vivenciado individualmente. Nesses casos, a busca por um espaço qualificado onde o imigrante possa pôr em palavras as suas dificuldades pode ser bastante importante.


A disseminação das terapias online representa uma possibilidade interessante para essa população, já que abre ao imigrante a chance de abrir um espaço para elaborar suas questões sem as barreiras de linguagem que ele encontraria ao fazer um tratamento com um profissional do local em que vive.


Para além disso, é válido lembrar que nem sempre a busca dessa população por uma terapia ou por psicanálise vai se dar em função de sofrimentos atrelados à condição de migrante. Com efeito, há casos em que o indivíduo não tem grandes queixas relacionadas ao fato de viver fora do país. A demanda por ajuda profissional pode, na verdade, estar articulada a outros sofrimentos, como, por exemplo, dificuldades no amor e no trabalho ou pela presença de sintomas depressivos ou ansiosos. Aqui, também, o recurso à análise online pode trazer benefícios consideráveis.

 
 
bottom of page